Uma das primeiras impressões em relação à história da arquitetura é a aparente alternância entre estilos e linguagens. Sempre que prevalece uma vertente mais sóbria, a que se segue costuma retomar motivos mais ornamentais, e assim por diante. É preciso atentar-se que esse “fluxo” é uma mera impressão: a história é sempre mais complexa que os registros indicam, e a prevalência deste ou daquele estilo são interpretações dos historiadores, situados no futuro do período sobre o qual se debruçam. O Barroco é um desses estilos.
Na categorização linear da história, o Barroco se segue ao Renascimento, de certa forma como uma “oposição”. Fortemente baseado nas proporções e composições clássicas, o Renascimento prezava pelas razões matemáticas e simetria. Por outro lado, não é que o Barroco desrespeitasse proporções compositivas, ou que não estivesse ancorado pela técnica para a criação de seus exemplares; mas se aproveitava delas para explorar formas mais ornamentadas, rebuscadas e dinâmicas.
Em linhas gerais, o período histórico barroco se dá entre os séculos XVI a XVIII, e o surgimento é associado à Contrarreforma da Igreja, como “resposta” à Reforma Protestante que questionava a soberania e autoridade católicas vigentes à época. Ainda que se denomine Barroco este intervalo histórico, vale lembrar que não se tratava de uma linguagem unificada, e dentro da própria Europa – onde surgiu –, existem edifícios barrocos muito diferentes entre si. As construções consideradas barrocas na Itália divergem muito daquelas na França, por exemplo. A miríade de “espécimes” é o que torna o Barroco tão difícil de categorizar. Ao mesmo tempo, essa mesma variedade é o que constitui sua riqueza. Seja por questões climáticas, matéria-prima disponível ou habilidade e repertório de seus artífices, a arquitetura barroca se caracteriza quase que caso-a-caso.
As premissas principais do Barroco eram a difusão do catolicismo, afirmação de seu poderio e reafirmação de valores bíblicos. Portanto a ornamentação exuberante em igrejas não só mostrava aos fiéis a beleza e grandiosidade da instituição, como servia como atrativo para praticantes de outras religiões. A ideia a ser transmitida exigia do conjunto arquitetônico manobras primazes: o perspectivismo nas pinturas das abóbadas sobre as naves, para dar a impressão de infinito celestial, os arabescos arrematando pilares ou decorando os tetos, as formas dinâmicas que davam a impressão de movimento, e figuras humanas expressivas.
Fora do âmbito religioso, é possível avaliar esse conjunto de elementos dentro do contexto da experiência espacial. Giovanni Battista Gaulli, na Igreja de Jesus de Roma (dos arquitetos Giacomo Barozzi da Vignola e Giacomo della Porta), faz uso do perspectivismo para abrir de forma ilusória a cobertura do edifício. A pintura se estende pelo teto da nave até se encontrar com os ornamentos e esculturas, de forma que existe uma transição do bidimensional para o tridimensional – o que efetivamente termina por englobar aqueles dentro do edifício –, como se tornasse o divino em matéria e vice-versa. Nas palavras de Clarival do Prado Valadares “não é uma pintura, mas a arrojada experiência de composição de um objeto monumental, mediante recursos da pintura, da escultura e da arquitetura.” [1]
No Brasil, o Barroco foi adotado (e expandido) por volta do século XVIII – é preciso ter em mente o tempo de vigência e transmissão dos preceitos da chamada metrópole (Portugal) até a colônia. Ora, se a invasão portuguesa ocorreu no séc. XVI – início do Barroco na Europa –, até o estabelecimento dos migrantes e a imposição de seus sistemas sócio-econômicos, não parece de todo estranho que o estilo tenha “demorado” a vigorar no Brasil.
Além disso, o contexto da Contrarreforma é relevante, já que a maior parte do ensino e difusão do estilo vinha através das missões católicas. Sem fugir à intenção colonizadora, os religiosos usavam mão-de-obra negra e indígena escravizadas para a construção de edifícios religiosos, aos modelos de suas terras natais. A combinação desses fatores faz da arquitetura barroca brasileira um dos muitos exemplos do estilo, e, junto a outras colônias latino-americanas, uma evidência da adaptação ao contexto e autores locais.
A “importação” do manual europeu de construção pressupõe (com razão) a imposição de uma linguagem “correta”, ou “desenvolvida”, contraposta a outra “artesanal”, ou “atrasada”. Dentro de algumas correntes de estudo historiográfico, a adaptação das regras europeias – na produção arquitetônica e artística – é uma das brechas por onde se pode vislumbrar a presença de repertórios, temas e contextos que a hegemonia tenta suprimir. Essas mudanças em relação à Europa são fruto de um contexto sócio-político, em que existia, no Brasil, certa independência em relação aos monarcas auto-designados.
Assim sendo, o próprio sistema construtivo se adequa aos materiais disponíveis no local, bem como a planta das naves que, apesar das cruzes italianas, seguem retangulares, mais semelhantes à arquitetura chã portuguesa. Com o desenvolvimento técnico de arquitetos e artistas por vezes nascidos no Brasil, o estilo desenvolvido na colônia se afastava do modelo europeu para incluir interesses formais e temáticos dos próprios autores que o produziam. No caso das igrejas, Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho) adota o formato português de igrejas-matrizes, com torres laterais e frontispício, mas projeta as primeiras cilíndricas cobertas por cúpulas semi-ovais – se aproximando do Rococó. Lisboa é o grande nome associado ao Barroco brasileiro, pelo legado artístico primoroso e autoral desenvolvido em Minas Gerais — arquitetônico e escultórico.
Já Manuel da Costa Ataíde (Mestre Ataíde) e José Teófilo de Jesus incluem em suas pinturas elementos tanto de seu contexto social quanto interesse teórico. Ataíde representava os temas religiosos comissionados, mas pintava as imagens com traços mestiços, mais condizentes a sua realidade, enquanto Jesus incluía alegorias e mitologia em pinturas religiosas, pouco comuns dentro dos exemplares da época. Este último chegou a estudar em Portugal, depois da indicação de seu mestre, José Joaquim da Rocha, o que possivelmente apresentou-lhe mais temas artísticos, que podem ter resultado nessas explorações pictóricas e inserções pagãs.
A vinda da corte portuguesa para o Brasil, no início do século XIX, foi o marco de declínio do Barroco brasileiro. Como na Europa já vigorava o Neoclassicismo, que condenava o que era considerado excesso e irregularidade, em favor da harmonia e idealismo, a monarquia tratou de impor (mais uma vez) sua própria compreensão do que era digno de reverência. Os preceitos artísticos neoclássicos não eram mero capricho: o pensamento iluminista se anunciava, o que oferecia resistência aos domínios religiosos em vigor até então.
Nada disso significa que o valor patrimonial do Barroco brasileiro decaiu. No início do século XX, a fim de se afirmar a identidade brasileira, Mario de Andrade o “revive” como patrimônio essencialmente brasileiro, seguido de esforços para registro e preservação pelo IPHAN. Apesar das sucessivas manifestações artísticas no decorrer da história, o Barroco segue no Brasil como monumento, linguagem própria que, embora herdada sem querer, assumiu-se formalmente, sem deixar a desejar em nada para seus pares europeus.
Notas
[1] VALADARES, Clarival do Prado. "O ecumenismo na pintura religiosa brasileira dos setecentos". In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 17, Rio de Janeiro, 1969. Disponível em: <http://www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=RevIPHAN&pagfis=2966&pesq=&esrc=s&url=http://docvirt.com/docreader.net#>